No dia 03/03/2022 foi noticiado no IBDFAM o reconhecimento da maternidade socioafetiva de uma tia com seu sobrinho de 14 anos, no Estado de Goiás. De acordo com o portal, a tia e os pais biológicos cuidam do adolescente desde o nascimento. Já fazem 7 anos que o adolescente mora com a tia na Espanha – com a permissão dos pais – e vivem como se mãe e filho fossem.
Com o reconhecimento, o registro de nascimento do jovem deve ser retificado, tendo, além do nome dos pais, o nome da tia no campo da “filiação”. A decisão foi dada pela 2º Vara de Família de Goiânia. Diante da situação, algumas perguntas são feitas:
Como é possível o reconhecimento de três pessoas como pais de alguém? (falar da multiparentalidade);
Quais os efeitos que vão ocorrer dessa decisão?
Então sempre vou poder reconhecer a multiparentalidade?
Continue lendo para saber as respostas a seguir:
1) Como é possível o reconhecimento de três pessoas como pais de alguém de maneira formal (no registro de nascimento)?
Essa permissão foi feita a partir do reconhecimento do instituto da Multiparentalidade. A Multiparentalidade foi reconhecida pelo julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 898.060 e da aprovação da tese de Repercussão Geral nº 622 a qual diz o seguinte: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.
Dessa maneira, foi reconhecida a possibilidade da existência de múltiplos vínculos de parentalidade (pai e mãe), não ficando restrito somente aos pais biológicos. A decisão foi de grande avanço ao Direito de Família, uma vez que consolida o princípio da afetividade como elemento criador de uma família. Além disso – e seguindo a inspiração do ditado “pai é quem cria” – o STF reconheceu a importância da figura dos “padrastos” e “madrastas” e os colocou no mesmo patamar dos pais biológicos, preservando o princípio da igualdade protegido pela Constituição Federal.
A decisão foi muito acertada, tendo em vista que a cada ano 6% das crianças nascidas no Brasil são registradas sem o nome o pai na certidão.
Mas e o vínculo com os pais? Pode ser excluído?
Isso vai depender do interesse do adolescente e do relacionamento dele com os pais. No caso acima, mesmo morando na Espanha, o adolescente ainda tinha contato com os pais. Possivelmente, não faria sentido para ele querer excluir algum dos pais biológicos do registro de nascimento. Mas é plenamente possível sim, requerer essa exclusão. Principalmente se for de interesse do filho (e se constatado após estudo psicológico realizado).
2) Quais os efeitos que o reconhecimento da maternidade socioafetiva vão trazer?
Juridicamente, o reconhecimento da filiação vai trazer todos os deveres que uma mãe tem com um filho, como criação, sustento, educação e até o direito de receber herança. É importante ressaltar também que o reconhecimento da maternidade da tia não afasta os deveres dos pais biológicos já existentes. O que ocorre é uma divisão dos deveres parentais com igualdade de responsabilidade. Tanto é que os pais biológicos acordaram o pagamento de uma pensão para o filho, enquanto estiver morando com a tia na Espanha.
3) Sempre vai ser possível reconhecer a multiparentalidade?
Não. O que permite a multiparentalidade é a concomitância do parentesco biológico (pai e mãe) com o parentesco afetivo (padrasto e madrasta). Ou seja, a criança deve reconhecer como pais tanto as pessoas com vínculo biológico quanto as pessoas com vínculo afetivo. Além disso, os padrastos e madrastas também devem se reconhecer como figuras paternas e maternas, respectivamente.
Mas, isso só pode ser concluído após estudo psicológico. Não há como um Juiz de Direito olhar as declarações feitas pelas partes do processo e já reconhecer o vínculo parental porque essa não é a sua expertise. Deve haver a correlação de áreas entre o Direito e a Psicologia para uma definição mais próxima da realidade. Até porque – na realidade do padrasto e da madrasta – eles não tem a função de substituir o papel de pai/mãe. Também não vai ser por isso que eles vão tratar mal as crianças/adolescentes.
Sendo assim, não há como afirmar que existe uma fórmula certa. Cada caso é um caso e é muito importante que você conte com o advogado da sua confiança para analisar o seu caso.
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